O Senado aprovou nesta quarta-feira (8), em dois turnos, a proposta de reforma tributária que já tramita desde 2019 no Congresso Nacional, após décadas de tentativas frustradas de uma mudança ampla do atual sistema de impostos brasileiro, em vigor desde a Constituição de 1988.
Apoiada pelo governo, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2019 tem como principal premissa a criação de um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), modelo já adotado em 174 países. A particularidade brasileira ficará por conta da alíquota, que deve ser a mais elevada do mundo, em torno de 27,5%, segundo estimativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Entre analistas, a projeção chega a até 33,5%.
Nos dois turnos de votação, o placar foi o mesmo: 53 votos favoráveis e 24 contrários, nenhuma abstenção foi registrada. A aprovação da PEC pode ser considerada uma vitória do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem na reforma do sistema de impostos uma de suas prioridades na área econômica. Para conquistar o apoio mínimo – eram necessários pelo menos 49 votos –, no entanto, houve uma série de concessões a parlamentares independentes e de oposição.
Em razão das alterações desde que chegou ao Senado, o texto ainda precisará voltar à apreciação da Câmara dos Deputados, onde versão anterior foi aprovada em julho, antes de poder ser promulgada. O relator da PEC no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), acatou seis emendas de plenário durante a discussão do texto nesta tarde, ampliando as exceções.
Entre as mudanças previstas nas emendas de plenário estão: a inclusão do setor de eventos nas categorias beneficiadas com redução de 60% na alíquota total (emenda 825), apresentada pela vice-líder do governo, Daniella Ribeiro (PSD-PB); e a possibilidade de equiparar a remuneração dos servidores de “servidores de carreira das administrações tributárias” municipais e estaduais com o que é recebido por servidores da União (emenda 807).
Com uma grande modificação no atual modelo de tributação sobre o consumo de bens e serviços, a PEC trata-se, na verdade, da primeira etapa de uma modernização do arcabouço tributário brasileiro. O Executivo ainda pretende encaminhar, a partir de 2024, uma reforma na tributação sobre renda e patrimônio.
Pela proposta, serão extintos os atuais ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI. No lugar, entram a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja responsabilidade será compartilhada entre estados e municípios. Juntos os dois tributos comporão um sistema de IVA “dual”, tendo mesmos fatores geradores e bases de cálculo.
Os impostos também obedecerão aos princípios de não cumulatividade (cobrança em uma única etapa da cadeia de produção) e de recolhimento no destino, de modo a acabar com a “guerra fiscal” promovida pelos estados para atrair investimentos. A legislação do IBS será única para todo o Brasil, acabando com as milhares de leis que regem os atuais impostos sobre bens e serviços em cada município e cada unidade federativa do país.
Cada tributo terá um período de transição diferente, com a vigência integral do novo modelo para o contribuinte e o consumidor alcançada em 2033. As regras para a distribuição do IBS entre estados e municípios, no entanto, terão um período de transição maior, de 50 anos.
Na discussão dos destaques do primeiro turno de votação, a emenda 804 que prevê a criação do Fundo de Sustentabilidade dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá – que inclui Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima – foi aprovada após um acordo de redação feito no plenário. Os valores para o novo fundo, voltado para o desenvolvimento da região, serão definidos por meio de uma lei complementar. Os demais destaques foram rejeitados, incluindo a emenda 806, apresentada pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), que previa um teto de 25% no Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Exceções devem aumentar alíquota padrão
A ideia original da reforma era simplificar a tributação sobre consumo, extinguindo ou reduzindo ao máximo a quantidade de isenções ou benefícios tributários concedidos a determinados áreas da economia.
A pressão de representantes de diversos setores, no entanto, fez crescer a cada etapa da tramitação da PEC a lista de exceções, o que deve fazer com que a alíquota padrão de IBS e CBS aumente, afetando diretamente setores que não entraram na lista de beneficiados.
O agronegócio e prestadores de serviço em geral, por exemplo, devem ter aumento de carga tributária ao fim a transição para o novo modelo. O porcentual que será cobrado de cada um dos impostos ainda será definido posteriormente à promulgação da emenda constitucional por meio de lei complementar.
A lista de categorias beneficiadas com redução de 60% na alíquota total inclui serviços de saúde e educação, dispositivos médicos, medicamentos, produtos voltados à saúde menstrual, transporte coletivo, alimentos, produtos de higiene pessoal, insumos agropecuários, produções artísticas, entre outros.
Profissionais liberais submetidos a conselho federal, como médicos, advogados, contadores e engenheiros também terão desconto, porém de 30%, sobre a tributação. Já incentivos a montadoras de automóveis instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste serão prorrogados.
Outros itens ficarão isentos dos impostos, como os que compõem a cesta básica; dispositivos médicos no caso de aquisição pela administração pública; serviços de educação de ensino superior nos termos do Programa Universidade para Todos (Prouni) e os prestados por entidades de inovação, ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos.
Há ainda a previsão de regimes especiais de tributação para determinados setores. Combustíveis e lubrificantes, por exemplo, terão incidência do imposto uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade. Poderá haver alíquotas diferenciadas por produto, mas elas deverão ser uniformes em todo o país.
Outros setores que terão tributação diferenciada incluem serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de saúde e concursos de prognósticos; cooperativas; hotelaria, parques de diversão e temáticos, agências de viagens e turismo, bares e restaurantes e aviação regional; operações alcançadas por tratado ou convenção internacional; serviços de saneamento e concessão de rodovias; entre outras.
Para manter a neutralidade da reforma, ou seja, evitar o aumento de carga tributária total, o relator da PEC no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM) inseriu no texto um dispositivo que obriga a redução das alíquotas da CBS em 2030 se as receitas com o tributo medida em 2027 e 2028 na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) forem maiores que do que a média da arrecadação com PIS/Pasep, Cofins e IPI de 2012 a 2021.
Em 2035, haverá outro período de reavaliação, em que todos os tributos criados pela PEC poderão ser reduzidos se a receita medida entre 2029 e 2033 for maior que a média da arrecadação, entre 2012 e 2021, dos impostos extintos. Ambos os cálculos levarão em consideração o PIB.
Imposto seletivo e cashback
O texto prevê ainda a criação de um Imposto Seletivo (IS), de caráter regulatório e natureza extrafiscal, voltado a desestimular o consumo de determinados produtos ou serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O rol de produtos que devem ser sobretaxados, no entanto, ainda deve ser definido por lei complementar.
A PEC também abre a possibilidade de devolução a pessoas físicas de parte do imposto pago com o objetivo de reduzir desigualdades de renda. O mecanismo deve ser semelhante ao que já ocorre com o ICMS em alguns estados, onde, ao informar o CPF no momento da emissão da nota fiscal, o contribuinte pode ter direito a um crédito para desconto no recolhimento de outro tributo estadual ou mesmo para transferência em conta corrente.
O texto prevê mais especificamente hipóteses de cashback para cidadãos de baixa renda no consumo de energia elétrica, cuja reversão pode vir a ser feita na própria conta de luz, e na compra de botijão de gás de cozinha.
Fundos para financiar estados
Na reforma serão criados ainda dois fundos financeiros voltados a apoiar governos estaduais, cujos aportes somarão R$ 790 bilhões nos próximos vinte anos. O primeiro será um fundo de compensação de benefícios fiscais e financeiro-fiscais do ICMS, com o objetivo de substituir os atuais incentivos estaduais que hoje provocam guerra fiscal.
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O segundo será o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que terá o objetivo de reduzir desigualdades regionais e sociais com a entrega de recursos da União para as unidades federativas.
IPVA, IPTU e ITCMD também mudam
Embora a PEC aprovada esteja centrada na reforma dos impostos sobre consumo, o texto prevê alguns dispositivos que alteram a tributação sobre patrimônio. Uma das mudanças, por exemplo, permite que estados possam cobrar alíquotas progressivas do IPVA em razão do impacto ambiental de veículos.
Outro dispositivo inclui veículos aquáticos e aéreos entre os veículos sobre os quais incidirá o IPVA, o que faz com que proprietários de embarcações e aeronaves passem a recolher o imposto como ocorre com os donos de automóveis. Ficam excetuadas do tributo, no entanto, aeronaves agrícolas e embarcações voltadas a transporte aquaviário ou de pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência.
Já em relação ao IPTU, cobrado por municípios, o texto prevê que a atualização da base de cálculo poderá ser feita por meio de decreto, a partir de critérios gerais previstos em lei municipal. Hoje os reajustes precisam necessariamente passar pelo crivo do Legislativo para entrar em vigor.
A reforma também dispõe sobre mudanças no Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de responsabilidade dos estados. Hoje, cada unidade federativa pode instituir sua alíquota, com o limite de 8%, e a possibilidade de isenção do imposto. A PEC prevê que o tributo seja progressivo de acordo com o valor da herança ou doação transmitida, como já ocorre em alguns estados, como o Rio de Janeiro. O recolhimento será feito no estado de residência da pessoa falecida.
Fonte: Gazeta do Povo
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