BRASÍLIA — Dilma Rousseff começou no domingo a se despedir da cadeira de presidente do Brasil. Pouco mais de um ano depois de reeleita e de 13 anos de PT no poder, a Câmara autorizou o processo de impeachment da petista por crime de responsabilidade. Isolada, sem apoio da grande maioria dos partidos de sua ampla coalizão eleitoral, Dilma dificilmente terá forças para impedir que o Senado abra o processo e a afaste do cargo, numa votação por maioria simples, nas próximas semanas. Em guerra declarada com o PMDB de seu vice Michel Temer, maior partido do Congresso, a presidente teve menos votos do que esperava o Planalto. Foi o que se viu também nas ruas por todo o país, onde as manifestações pró-impeachment reuniram mais público do que as de apoio ao governo. Não surtiu efeito sequer o esforço do ex-presidente Lula, cuja nomeação como ministro para escapar do juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, ajudou a agravar a crise. Temer assumirá por 180 dias assim que o Senado abrir o processo
Autorizado pela Câmara dos Deputados, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff segue agora para o Senado, que deve instalar já na quarta-feira a comissão especial para analisar se Dilma cometeu crime de responsabilidade ao praticar as chamadas “pedaladas fiscais”. Caso a maioria dos senadores decida abrir o processo, Dilma será afastada imediatamente por até 180 dias, enquanto a Casa analisa se há provas para cassar seu mandato em definitivo. O presidente do Senado, Renan Calheiros, deseja realizar essa votação entre os dias 10 e 11 de maio. Outros senadores, no entanto, já tentam encurtar esse prazo para afastá-la antes.
No domingo, a Câmara aprovou, por 367 votos a 137, a autorização para a abertura do processo de impeachment, um ano e três meses depois da eleição que deu à Dilma 54,5 milhões de votos. É a segunda vez desde a redemocratização que o Senado é autorizado a processar um presidente da República. Assim, após quase 24 anos da saída de Fernando Collor de Mello do Palácio do Planalto, o Congresso poderá voltar a afastar de seu mandato nas próximas semanas um presidente eleito. A eventual saída de Dilma simboliza não só uma derrota individual da presidente, mas o fim dos 13 anos de governos do PT.
A decisão foi tomada após uma série de sessões que se iniciaram na manhã de sexta-feira e tomaram duas madrugadas seguidas. A votação ocorreu sob clima de tensão. Condutor do processo e réu na Lava-Jato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi alvo de faixas e gritos, mesmo entre aqueles que votaram pelo impeachment. A migração de votos foi determinante para a derrota de Dilma. Também houve, no plenário, ataques ao vice Michel Temer, que assistiu à votação em seu QG, em Brasília. Conforme avançava a votação, maior era o clima de festa no Palácio do Jaburu, residência do vice. Coube a Bruno Araújo (PE), ex-líder do PSDB na Câmara, o fatídico voto 342, que corresponde a dois terços da Câmara, às 23h07m.
Ao longo do dia, cerca de 150 mil pessoas foram às ruas, nos 26 estados e no Distrito Federal. Contrariando expectativas de tensão, os protestos ocorreram de forma pacífica. No momento do voto decisivo, manifestantes pró-impeachment explodiram em clima de Copa do Mundo.
Após andar de bicicleta nos arredores do Palácio da Alvorada logo cedo, a presidente se fechou na residência oficial com seus mais próximos aliados e se debruçou sobre a contabilidade dos votos. Desde cedo, no entanto, o clima no governo e no PT era de pessimismo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda voltou de manhã para Brasília na tentativa de garantir alguns votos que impedissem a derrota. Não surtiu efeito. No Congresso, o deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE), o mais folclórico e histriônico defensor da presidente Dilma, era um dos poucos que ainda tentavam mostrar convicção de que a vitória era possível.
A presidente acompanhou a votação com seu principal auxiliar, o assessor especial Giles Azevedo, o ministro chefe de gabinete, Jaques Wagner, o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e os governadores Tião Viana (PT-AC), Waldez Goes (PDT-AP) e Camilo Santana (PT-CE). Lula passou a maior parte do dia com Dilma, mas voltou para o hotel que se transformou em seu QG pouco antes da votação, e retornou ao Alvorada quando 113 votos já haviam sido dados. Nesse momento, estavam todos calados no Alvorada, concentrados, fazendo as contas dos votos.
No Jaburu, o clima era oposto. Reunidos com seus assessores mais próximos, com o senador Romero Jucá e com os ex-ministros Eliseu Padilha e Henrique Eduardo Alves, Jucá e Padilha foram os principais articuladores da vitória do vice-presidente na votação de domingo e desde o início da votação viam os votos no plenário espelhar rigorosamente suas planilhas. Tranquilos, quando os cem primeiros votos pró-impeachment haviam sido dados, a vitória já era considerada garantida. No Salão Verde da Câmara, os próceres do Movimento Brasil Livre (MBL), entre eles Kim Kataguiri e Renan Santos, faziam transmissões em redes sociais colocando o impeachment no pretérito antes mesmo de a votação se iniciar.
Com o peso da votação da Câmara, lideranças que defendem o impeachment pretendem reduzir os prazos no Senado. O novo presidente nacional do PMDB, senador Romero Jucá (RR), disse que o ritmo será definido “pelas circunstâncias”. A ideia é que haja um acordo para uma data intermediária, com a votação que pode afastar Dilma ocorrendo entre os dias 4 e 5 de maio. De acordo com o levantamento do GLOBO, 46 dos 81 senadores aprovariam o impeachment. São necessários 50% dos votos dos presentes mais um.
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